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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Imagem Vs. Realidade (Image Vs. Reality)



“O primeiro passo para poder espiritual é livrar-se do desejo.” A face de Hatsumi Sensei manteve uma expressão de autoridade solene. Ele falou com convicção.
Eu estava desapontado quase ao ponto de revolta. Hatsumi Sensei deveria estar me introduzindo ao quarto dos nove níveis de desenvolvimento, e ele iniciou com um clichê que eu poderia ter conseguido de um suspense de kung-fu de Hong Kong barato. Livre-se do desejo. Como que isso ajudaria no mundo real? Como que alguém poderia desenvolver o poder pelo qual os ninjas eram famosos sem desejo?
Eu concordei com a cabeça por conta de me entrosar. “É uma coisa comum nos Estados Unidos, o desejo. Todos querem um carro grande, uma casa grande com uma piscina, muito dinheiro,” eu concordei amigavelmente. Afinal de contas o homem era meu professor.
Houve uma pause estranha. O mestre parecia estar buscando por palavras. Ele inclinou a cabeça levemente e continuou sua explicação. “Bem, sim, esses são desejos. Mas esses desejos são superficiais e facilmente superáveis. Estamos falando é sobre os desejos da personalidade. Exigindo que as coisas sejam de uma forma que não são.”
“Ah, eu compreendo agora. É querer ser famoso, ou rico, ou poderoso,” eu disse.
Hatsumi Sensei sorriu preocupadamente. “Bem, sim, esses também são desejos, mas não... isso é difícil de explicar.” O mestre passou uma mão sobre seu cabelo cortado bem baixinho. “Deixe-me colocar dessa forma. Você deve limpar sua mente e ser de impressões pré-concebidas sobre como as coisas são. Muitas vezes existe uma grande diferencia entre o que queremos acreditar e aquilo que é real. Podemos estar tão presos aquilo que queremos ver, que somos impedidos de ver o que realmente estar ali. Esses são os desejos que cobrem de nuvens o pensamento e o impedem de estarem em harmonia com o mundo.”
- O Ninja e Sua Arte de Luta Secreta
Stephen K. Hayes

O que para nossa globalizada modernidade recai sobre o rótulo de um clichê, é na verdade a segunda Nobre Verdade da doutrina de Sidhartha Gautama, o Buda: a raiz do sofrimento é o desejo (ou apego). Hatsumi Sensei aponta para este princípio como a base para se adentrar o poder espiritual. Como o texto reflete, este é um assunto difícil de abordar principalmente no contexto de nossa cultura ocidental. Somos tão envolvidos no mundo da imagem que qualquer menção a uma realidade transcendente nos parece fantasia. Nosso assombroso avanço tecnológico na área do entretenimento, como os vídeo games e os efeitos cinematográficos apontam a importância que a imagem ocupa em nossa cultura. Concomitantemente, somos ensinados a darmos grande valor à imagem que os outros fazem de nós, e o comércio com sua espada, a mídia, manipulam este universo carregado de emotividade, gerando um verdadeiro inferno social que passa pela constante frustração, drogas e alcoolismo, dívida e falência econômica, levando a criminalidade, entre tantos outros males que assolam nossa sociedade atual. O conhecimento profundo do mundo natural, do homem e das leis divinas, guardadas pelo Ninpo, permite a seus praticantes transcender o mundo das imagens e desvelar a realidade. Em nossas próprias tradições espirituais, podemos ver este ensinamento na idéia do pecado da idolatria, onde o homem adorou a uma imagem e não a Deus. É interessante que o nome desse deus no hebraico traduz como ‘Eu sou o que sou ‘. Temos nisso a explicação para o mistério do ego, a nossa própria auto-imagem, nosso falso “eu”, que no Budismo é representado por Mara, o rei do reino da ilusão. Interessante também notar que Takamatsu Sensei menciona em sua auto-biografia não ter se olhado no espelho por muitos anos e no seriado Jyraia Ninja no Sekai, escrito e dirigido por Hatsumi Sensei, há menção a eliminação da própria imagem no espelho como uma das principais técnicas secretas de Togakure Ryu Ninpo. Enfrentar inimigos num campo de batalha de certo requer grande coragem, mas perseverá na batalha contra si mesmo requer mais que coragem, requer uma resignação inabalável, fortalecida a cada novo passo dado.
Gostaria de instigar o leitor a considerar com cuidado este assunto e observar como estes princípios se aplicam ao Taijutsu. Ao decidir que iremos realizar esta ou aquela técnica criamos uma imagem, quanto mais nos esforçamos (desejamos) para realizá-la, mais nos frustramos, mas se simplesmente nos harmonizamos com o ataque de nosso oponente e mantemos uma atenção expansiva e relaxada, técnicas maravilhosas brotam do mundo de Mu (vaziu). De forma semelhante se paramos de constantemente afirmarmos para nós mesmos quem somos e silenciarmos nossa mente, podemos dissolver a imagem distorcida e ver brotar um ser maravilhoso, espontâneo, misterioso, imprevisível, de fato indescritível e único: quem realmente somos. A partir dessa atitude natural “Shizen no Kamae”, podemos evadir o perigo, seja ele qual for, naturalmente, e comungar com Shin-Shin-i-Shin-Gan (o pensamento e os olhos de Deus).

English Translation

“The first step to spiritual Power is to rid yourself of desire.” Hatsumi Seseni´s face held an expression of solemn authority. He spoke with conviction.
I was disappointed almost to the point of contempt. Hatsumi Sensei was supposed to be introducing me to the fourth of the nine levels of development, and he had begun with a cliché that I could have gotten from a cheap Hong-Kong kung-fu thriller. Rid yourself of desire. How could that help in the real world? How could one develop the power for which the ninja were famous, without desire?
I nodded gamely for the sake of fitting in. “It´s a common thing in the States, desire. Everyone wants a big car, a big house with a pool, lots of money,” I agreed amicably. After all, the man was my teacher.
There was an odd pause. The master seemed to be looking for words. He tilted his head lightly and continued his explanation. “Well, yes, those are desires. But those desires are superficial and rather easily overcome. What we are talking about are the desires of the personality. Demanding that things be ways they are not.”
“Oh I understand now. It´s wanting to be famous, or rich, or powerfull,” I said.
Hatsumi Sensei smiled wearily. “Well, yes, those are desires, too, but not… this is difficult to explain.” The master ran a hand over his close-cropped hair. “Let me phrase it this way. You must clear your mind and being of pre-conceived impressions of the way things are. Many times there is a great difference between what we want to believe and what is real. We can be so caught up in what we want to see, that we are prevented from seeing what is really there. These are the desires that cloud the mind and prevent it from being in touch with the world.”
- Ninja and their Secret Fighting Art
Stephen K. Hayes

What falls under the label of cliché in our globalized modernity, is in fact the second Noble Truth of the doctrine of Siddhartha Gautama, the Buddha: the root of suffering is desire (or attachment). Hatsumi Sensei points to this principle as the basis to enter into the realm of spiritual power. As the text reflects, this is a topic that is difficult to approach especially in the context of our western culture. We are so involved in the world of image that any mention of a transcendent reality seems to us as fantasy. Our frightening technological advances in the area of entertainment, such as video games and movie especial effects point towards the importance that image occupies in our culture. Simultaneously, we are taught to give great value to the image others have of us, and commerce with it´s sword, the media, manipulates this universe charged with emotionality, generating a true social hell that goes thru constant frustration, drugs and alcoholism, debt and financial bankruptcy, leading up to crime, amongst so many other evils that overwhelm our current society. The deep knowledge of the natural world, of man and of divine laws, guarded by Ninpo, allows for its practitioners to transcend the world of images and unveil reality. In our very own spiritual traditions we can see this teaching in the idea of the sin of idolatry, where man worshiped an image and not God. It is interesting that the name of this god in Hebrew translates as ‘I am what I am’. We have in this the explanation to the mystery of the ego, our own self image, our false ‘self’, which in Buddhism is represented by Mara, the king of the realm of illusion. It is also interesting to note that Takamatsu Sensei mentions in his auto-biography not having looked at the mirror for many years and in the series Jyraia Ninja no Sekai, written and directed by Hatsumi Sensei, there is mention to the elimination of one´s own image in the mirror as one of the main secret techniques of Togakure Ryu Ninpo. To face off enemies in a battle field certainly requires great courage, but to persevere in the battle against oneself requires more that courage, it requires an unshakable resignation, strengthened at each new step taken.
I would like to instigate the reader to consider carefully this subject and observe how these principles apply to the Taijutsu. In deciding that we will put on this or that technique we create an image, the more we make an effort (desire) to realize it, the more we frustrate ourselves, but if we simply harmonize with our opponent´s attack and keep an expansive and relaxed attention, marvelous techniques will blossom from the world of Mu (emptiness). In similar fashion, if we stop constantly affirming to ourselves who we are and we silence our minds, we can dissolve the distorted image and see immerge a marvelous, spontaneous, mysterious, unpredictable, in fact indescribable and singular being: who we really are. From this natural attitude “Shizen no Kamae”, we can evade danger, be it of any kind, naturally, and commune with Shi-Shin-i-Shin- Gan (the mind and eyes of God).

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